A tradução do humano

Luiz Roberto Alves

A arte é lugar melhor para a tradução dos direitos humanos. Não para a sua discussão. Se discutir implica atualizar a racionalidade que lenta e circunstancialmente sobrepassou e sobrepassa o império da barbárie, traduzir é captar, imediatamente, todo o conjunto de sentidos que recoloca o homem/a mulher na linha sucessória do que é justo, belo e verdadeiro: seus direitos.

Portanto, é impossível prosseguir com as discussões sobre os direitos humanos sem que nossos olhos, bocas, mãos e todos os sentidos se encontrem com a invenção artística. Na invenção que a arte concretiza, os signos escapam às matrizes discursivas – trabalhadas no universo político-institucional – e refluem a um lugar primordial onde se vêem, se lêem e se sentem os sinais concretos dos direitos e seus contrários.
O encontro revelador já é, pois, um direito inalienável. Por isso, trabalham sempre os artistas. Veja-se a obra de Ricardo Amadasi, que conhecemos há décadas. Vendo-a historicamente e com a memória das diversas peças, localizo ali três projetos expressivos, cruzados na tessitura das diversas criações:

1. O sentido irreversível da humanidade;
2. A irreversibilidade humana a questionar formas e amarras;
3. O questionamento como portador de força acumulada. Identificamo-nos no olhar de homens e mulheres em todos os lugares e cantos.

A cada mirada encontra-se um ser humano, cujo contexto é a condição, também humana, ainda que dolorosa. Não há outros seres maiores, piores ou melhores do que nós. Somos e estamos condenados a nos encararmos. Aí a novidade desse humanismo, que tanto pode existir em Marsilio Ficino ou Da Vinci quanto em Sartre e no discurso dilemático do desempregado da globalização.

Os seres que nascem da criação de Amadasi lançam libelos e fazem propostas contra o que não é digno; daí, contra o que é anti direito. Os direitos humanos nascem da conjunção do olhar que opta por confrontar-se, ou aceita fazê-lo, e nesse encontro-confronto descobre sentidos que configuram atitudes claramente humanizadas, ainda quando se encontram com o purgatório e o inferno das relações de poder na sociedade.

Consulte Catálogo “Os direitos humanos nas esculturas de Ricardo Amadasi” – Santo André/SP – dezembro de 1999. Trecho do texto de Luiz Roberto Alves

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