À margem no Centro Tarso M. de Melo

Às vésperas do Natal, em meio a reformas e pesquisas de preço, quem andou pelo calçadão do Centro andreense, deparou-se com alguns “corpos estranhos”: cinco obras do escultor Ricardo Amadasi, argentino radicado em São Bernardo do Campo, ficaram ali expostas durante alguns dias, como feridas.

Explico: com sua inesgotável carga de cidadania, pois a “matriz” natural de Amadasi é a pessoa a quem negou-se participar da sociedade bem-de-vida que consegue comer, beber, estudar, trabalhar, existir, cada uma daquelas obras, nascidas e representativas de situações desumanas (abandono, fome, mendicância, etc), quando confrontadas com o oásis comercial que, decadente nata, a Administração local vislumbrou para cartão-postal da cidade, intenta desmobilizar o exército transeunte - lembrete singelo de que nem tudo se resume a compras natalinas e de que há amigos que, Natal após Natal, insistimos em ter por secretos, isolados nas periferias que criamos.

Crivadas de cidade (como tentei demonstrar no poema feito por ocasião de outra mostra do artista), as esculturas de Ricardo Amadasi, puderam, ao menos por instantes, inverter a situação: crivaram a cidade, em seu centro, como feridas.

Melhor seria a retirada de suas obras simbolizar o fim da situação que as inspirou e inspira. E a sociedade, que o artista retira a esmeril de seus metais, corrigindo-se, permitir a Amadasi atentar para naturezas menos mortas. Quem dera.

Consulte Especial para Tribuna Popular – Santo André/SP – Janeiro de 2000. Trecho do texto de Tarso M. de Melo

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